O Dilema de Morrer em 2025: Sua Herança Digital Será Sua ou Apenas um Perfil Memorial?

Herança Digital é um tema super atual, venha conferir suas implicações!

Adv. Deivisson Stefano G. Rodrigues

10/2/20254 min read

O Dilema de Morrer em 2025: Sua Herança Digital Será Sua ou Apenas um Perfil Memorial?

Vivemos a maior parte de nossas vidas no ambiente virtual. Guardamos criptomoedas, acumulamos milhas aéreas, trocamos e-mails recheados de senhas e construímos perfis em redes sociais que são verdadeiras biografias visuais. Mas, e quando morremos, o que acontece com esse “eu” digital?

Esta é, de longe, a questão mais polêmica e urgente do Direito Civil brasileiro na atualidade, pois força uma briga de gigantes no campo do Direito de Família e Sucessões: o Direito Sucessório (a herança) contra o Direito à Privacidade post-mortem.

A urgência é tanta que o tema mobilizou o Superior Tribunal de Justiça (STJ) a criar uma solução provisória e está na vanguarda do Projeto de Lei nº 4/2025 (PL 4/2025), que busca reformar e atualizar o Código Civil brasileiro.

O Conflito: Patrimônio vs. Existência

Para entender a polêmica, é preciso classificar os bens digitais, que são, por natureza, incorpóreos ou intangíveis. A doutrina os divide em duas categorias:

  1. Bens Patrimoniais: São os ativos que geram consequências financeiras ou possuem valor econômico. Exemplos clássicos incluem criptoativos, milhas aéreas, domínios de internet e contas monetizadas (como canais no YouTube que geram receita).

    • Regra Geral: Não há grande controvérsia. Esses bens devem ser transmitidos aos herdeiros e integrar o inventário para partilha, seguindo a lógica sucessória tradicional.

  2. Bens Existenciais (ou Afetivos): São conteúdos vinculados à personalidade, intimidade e vida privada do falecido. Exemplos: Perfis pessoais não monetizados (Instagram, Facebook), coleções de fotografias em nuvem, e-mails e histórico de mensagens privadas.

    • O Grande Dilema: O acesso a esses bens colide diretamente com o direito fundamental à preservação da privacidade post-mortem. Pior: ele viola o sigilo constitucionalmente garantido de

      terceiros que interagiram com o falecido (amigos, parceiros, colegas), tornando o acesso irrestrito juridicamente complexo.

A Solução do STJ: A Criação do Inventariante Digital

Diante da "carência legislativa" , o Poder Judiciário foi forçado a atuar. O precedente mais relevante veio da Terceira Turma do STJ (REsp 2.124.424/SP), que analisou o caso de uma inventariante que buscava acesso ao conteúdo de dispositivos eletrônicos protegidos por senha (como aparelhos da Apple) para localizar bens do espólio.

A Ministra Relatora, Nancy Andrighi, alertou que autorizar a abertura irrestrita do equipamento poderia violar gravemente a intimidade do falecido.

A solução foi a criação de uma figura inédita no inventário: o Inventariante Digital.

  • Quem é? Não é o herdeiro, mas um perito técnico, um auxiliar eventual da Justiça.

  • Como funciona? O juiz instaura um incidente processual próprio (separado do inventário) e nomeia o perito para acessar os dispositivos.

  • O Filtro: Esse perito atua como um filtro técnico, listando apenas o conteúdo de relevância patrimonial (senhas de bancos, instruções de investimentos, detalhes de negócios) e impedindo que o juízo tenha acesso a dados pessoais e comunicações íntimas.

Essa medida cautelosa sinaliza que, na balança entre a busca por riqueza e a proteção da dignidade humana, o STJ prioriza a intimidade post-mortem.

A Ameaça do PL 4/2025: Um Legado Inacessível?

A tentativa de pacificação veio com a proposta de reforma do Código Civil (PL 4/2025), coordenada pelo Ministro Luis Felipe Salomão. O projeto tenta, finalmente, dar uma solução legal ao tema, mas o faz de forma controversa:

  1. Valor Econômico Apreciável: O PL normatiza que apenas ativos digitais de "apreciável valor econômico" devem ser incluídos no espólio. O problema: o termo é subjetivo. O que define o valor de um perfil no Instagram de uma marca pessoal com milhões de seguidores, mas sem monetização ativa no momento da morte? A resposta dependerá de futuras interpretações.

  2. A Vedação Absoluta: O ponto mais debatido é que o PL 4/2025 propõe vedar expressamente o acesso dos herdeiros a "mensagens privadas, comunicações e outros bens digitais de caráter estritamente pessoal".

A vedação, embora motivada pela proteção da privacidade, gera um dilema prático: se a única senha de um banco ou a instrução crucial para a liquidação de um negócio estiver em um e-mail pessoal, os herdeiros serão proibidos de acessá-la, criando uma barreira "quase intransponível" para a gestão da herança.

Especialistas alertam que essa proibição pode ter um risco de "insegurança social e retrocesso". O destino de perfis de figuras públicas, como Ayrton Senna ou Gugu Liberato (mantidos pela família para preservar a memória ), seria entregue à discricionariedade das plataformas digitais e seus Termos de Serviço, em vez de à vontade da família.

O Caminho da Segurança: Planejamento Sucessório Digital

Diante da falta de consenso e da iminência de uma legislação que pode se mostrar restritiva, a única certeza jurídica reside na autonomia privada.

O Planejamento Sucessório Digital é a ferramenta essencial para garantir que seu legado digital seja respeitado. Por meio de um testamento, é possível:

  1. Definir o destino dos bens patrimoniais (criptoativos, milhas) e nomear quem deve gerir esses ativos.

  2. Nomear um "executor digital" ou um contato herdeiro, conforme as políticas das plataformas.

  3. Autorizar expressamente o acesso a perfis e dados de valor afetivo (fotos, vídeos) para fins de memória, ou vedar categoricamente a transmissão de comunicações íntimas.

A única forma de blindar seu patrimônio e sua memória contra as lacunas da lei e a rigidez dos termos de serviço é registrar sua vontade de forma clara e legal. Não deixe sua vida digital à mercê da próxima decisão judicial.